Diz a lenda que as alheiras foram inventadas pelos
judeus porque a sua religião não permitia comer a carne de porco e com este
enchido enganavam a Inquisição.
Do mesmo modo que os cristãos utilizavam a carne de
porco nos enchidos, os judeus utilizavam carne de caça.
Isto é o que diz a lenda, porque se estudarmos a
nossa história e a inquisição somos levados a tirar outras conclusões.
Tudo leva a querer que quando os judeus se viram
obrigados a fugir para Portugal em 1492 expulsos de Espanha, eles os judeus já
traziam na bagagem este enchido. Era o mais certo. Reparem que o fumeiro era o
modo de conservação mais utilizado na época e de certeza os judeus já usavam o fumeiro.
Em 1492 quando vieram para Portugal D. João II
recebeu os judeus e aproveitou os matemáticos, médicos e financeiros etc.,
todos aqueles que lhe trariam lucros e conhecimentos. Não nos podemos esquecer
que D. João II andava em disputa com os reis de Espanha nas descobertas marítimas.
A verdade é que enquanto os mais ricos vinham para as cidades, os mais pobres
ficaram junto da fronteira. No entender de José Leite de Vasconcelos (filólogo,
linguista, arqueólogo e etnógrafo português, 1858-1941), em Bragança ficaram os que vinham bem calçados, os que traziam pior
calçado ficaram em Mogadouro e os descalços em Argozelo e Carção.
A história demonstra
que D. João II até falecer em 1495, não perseguiu os judeus.
Já com D. Manuel não foi bem assim: D. Manuel iniciou o seu reinado
com tolerância religiosa, (apesar de muito religioso) começou por libertar os
judeus que haviam fugido das perseguições em Espanha e estavam em situação de escravatura.
Claro que isto era tal como fez o seu antecessor D. João II justificado pela
necessidade do capital financeiro e intelectual das comunidades judaicas,
valores muito importantes para a sua política expansionista. (os
descobrimentos eram muito dispendiosos)
Com o passar do tempo
esta política alterou-se. D. Manuel I ambicionava unir os reinos Ibéricos e
para isso começou a fazer acordos com os reis católicos utilizando o seu
casamento com a herdeira de Espanha, Isabel de Aragão (que era viúva do príncipe
D. Afonso) e mais tarde no seu casamento com Maria de Aragão. Nestes acordos
teve de ceder em relação á expulsão dos infiéis (mouros e judeus).
Em relação á
comunidade judaica, D. Manuel tentou manipular esta situação, começando por
obrigar a sua conversão ao cristianismo. Fechou os portos do reino exceto
Lisboa para que estes não saíssem em massa do país assim como, autorizou um período mais alargado de conversão ao
cristianismo, não permitindo que os convertidos fossem sujeitos de qualquer
inquérito durante vinte anos. Isto na prática permitia que os judeus
continuassem os rituais hebraicos.
Uma lei que foi bastante polémica foi
a que obrigou à educação por famílias cristãs de filhos de judeus, que os
recuperariam caso se convertessem. No entanto, estas tentativas foram um
fracasso.
Levaram a que os fundamentalistas
religiosos, e uma parte de populares se tornassem descontentes com o surgir de
uma comunidade de cristãos-novos e fizesse com que ficassem sempre debaixo de
suspeita. Se questionarmos o objetivo de D. Manuel no dissolver das comunidades
judaicas e a sua integração religiosa terá sido atingido? Sabe-se que duzentos
anos depois uma grande parte dos inquisidores tinham ascendência judia, e ao
mesmo tempo a tradição fundamentalista cristã antissemita (sem ser exclusiva do
reinado de D. Manuel), sai reforçada.
Também se sabe que esta perseguição
foi muito mais forte na cidade de Lisboa. A maioria das pessoas nunca ouviu
falar no Massacre de Lisboa de 1506
mas que D. Manuel I castigou severamente os incitadores deste massacre.
D. Manuel
I só solicitou em 1515 ao papa a introdução em Portugal de um tribunal da
Inquisição, o que só viria a ser concedido no reinado seguinte, perante novo
pedido de D. João III.
Voltando ao enchido:
Depois de tanta História, está provado de que os
judeus já produziam o enchido no século XV, antes da conversão forçada e da
inquisição. Seria conhecido por tabafeia, (ou tabafeira) como está registado na
Grande Enciclopédia da Cozinha, de Maria de Lourdes Modesto em 1965.
Pode-se verificar este nome, num texto do Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende (Vol. III), em que Nuno Pereira, para troçar de “Doutor Mestre Rodrigo” (um judeu), lhe diz: “Eu comi atabafea, (j)uro em Deu, e grãaos torrados e pees de vitela à cea com bandouva apicaçados.”
Pode-se verificar este nome, num texto do Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende (Vol. III), em que Nuno Pereira, para troçar de “Doutor Mestre Rodrigo” (um judeu), lhe diz: “Eu comi atabafea, (j)uro em Deu, e grãaos torrados e pees de vitela à cea com bandouva apicaçados.”
Conclusão:
A história leva-me a crer que a alheira tem origem
no enchido judeu, mas não porque eles o fizessem para enganar os cristãos.
Acredito sim que a pobreza dos povos transmontanos
os fizesse popularizar o enchido dos judeus ao lhe acrescentaram a carne de
porco.
Não esqueçam… a alheira de caça não foi criada neste século, nem no
século passado, já se comia no século XV.
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